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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Construção de rupturas

20/2/2015 - São Roque - SP

Antes de levantar paredes, é preciso conhecer os limites do terreno. Antes de adicionar cor ao concreto, é preciso descobrir suas rupturas. Cada falha na continuidade é uma atenção minuciosa despendida. É um novo planejamento necessário. 

Ser embrião dos atos é ter a sensibilidade de pressenti-los com a exatidão de uma andorinha que voa sem destino. Tendo a coragem covarde de desafiar o vento desconhecido, pintando sua face com a ausência total de cores ou de ornamentos sincrônicos. Antagonismo da felicidade em circunspecção de luz.

Com os olhos sujos de civilização, perde-se a essência do balanço das asas dos dias. A necessidade de romper padrões e sentidos. A premência pela mais singela ameaça de quebra, de nequice nata. De aromatização inodora.

Fotografada por retinas perdidas nas esquinas dos acontecimentos, a ruptura ganha corpo. Desvencilhando-se das entranhas das exigências que devaneiam retidão, o apelo à pausa errônea faz-se sua aliada. Sua companheira na marcha rumo à imperfeição. Rumo à felicidade.

De um trabalho árduo de rupturas e desconsertos, o poema ganha vida. Todo o empréstimo de falta de exatidão é amigo do balanço irregular das horas. Emprestadas pela falta de tempo. Doadas pelo medo do depois.

Toda a mentalização roteirizada já virou pó no encontro com os peraltismos do excesso de bom comportamento. No desgaste vital de uma concepção que faça sentido. De uma explicação que justifique um nada que cintila existência. Que afaga com as lembranças do passado uma ideia jamais posta em prática. Uma ruptura jamais descoberta.

Construamos rupturas. Vales rochosos de polidez duvidosa, rígidos pela premência da constância. E macios pela necessidade de acalento. De rugosidade rompida e entregue à sorte de mãos cuidadosas.

Qualquer estudo de engenharia é capaz de explicar os pontos firmados em rodapés e em plantas bem ornamentadas e detalhadas. É impossível, contudo, encontrar compreensão inerente às reticências. Paredes não são construídas sobre descontinuidades. Nada é traçado sem que o fim do horizonte seja avistado.

Babaquice a falta de ação perante às inconstâncias. Incólumes olhos amortecidos pelas perdas de justificativas aqueles que andam sobre o movediço. Verdadeira poesia que faz brilhar. Inegável ardor que sopra vida no momento da concepção de seu silêncio acariciado pela linha que se corta.

 

THIANE ÁVILA.

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