Autor: Thiane Ávila
Não nos acostumamos ainda com a inutilidade. A robustez de não servir, caminhando de mãos dadas com a glória do fado. Uma tentativa de sobrevivência em meio às importâncias. Um clarão de escuridões que ilumina as despassagens. As deslembranças e os sonhos concebidos ao relento.
Toda a ameaça de lixo já serve para a construção de uma queda. Planejamento insensato de moral deturpada pela negação de subsistência. Não há justiça na seleção dos magistrados, embora, na poesia, a equidade seja o intolerável. O descartável. O detrito do inútil.
O sonho do verso é ser ninguém. Enaltecer as grandes inferioridades, fazendo do monturo o castelo e o principado. A relevância e a justiça, pois.
A estrofe é o homem jogado fora, enterrado na desmemória das proezas. Jogado ao acaso, que transforma as venturas em pó. É quando o corpo não responde aos estímulos, quando a vontade não recebe o comando da ação. Quando a ação já não é mais vontade.
A casca é o que mantém a força até os setenta anos. As conspirações, constrições e conquistas são tatuagens internas, retocadas pelas lembranças e pelos feitos. Pelas regalias e pelas bajulações.
Na lírica, ovaciona-se o incrédulo, dando ao pobre inútil a maestria de não ser. Concedendo, pois, o direito de não pertencer a nada e a ninguém e, ainda assim, ser a mais poética das criaturas. A consonância perfeita com a arte que, a priori, também não serve de nada e que, ainda assim, não deixa de ser.
Qualquer ninguém tem peso de retórica. As reticências das curvas, em refrão com o nada, transformam em tudo o borro e o rascunho. Os restos da borracha que é capaz de desconstruir o mais belo dos retratos. A mais perfeita combinação de palavras.
Não sentir-se inútil por não ser útil. Encontrar no descarte a alforria das intempestividades que assolam quem julga entender. Não dá para ser réu e juiz ao mesmo tempo, a não ser que se trate de um verso que julgue a arte de poetizar, profanando dos sentidos a finalidade de chegar a lugar nenhum.
É, pois, o homem jogado fora. Com culpas imperdoáveis na invenção de nadas, apenas preocupado com a apreciação do fortuito. O eterno voa com as borboletas, que dividem com ele o seu destino fatal.
A olhar para as redondezas dos gestos de servidão, houve quem se entediasse pela primeira vez com as restrições do profíquo. Com as exigências irrelevantes, capazes de sentenciar qualquer sujeito à pena máxima da desimportância: o protagonismo na poesia.
THIANE ÁVILA.