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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Vida que transborda

13/9/2015 - São Roque - SP

A triste sina de procurar algo que complete, que apazigue e que enterneça. A piedosa realidade de acreditar na serenidade que tudo explica e melhora, que tudo acolhe e ameniza. Sendo, pois, meio-termo para não arriscar-se nas desmedidas. Ansiando, com água, o ápice do entorpecimento de uma vida que se permite sobrepujar.

Não é preciso ser o exemplo da transgressão e das rebeldias, mas a prova concreta da mudança que infla e reverbera o peito. Que não deixa o sono dos acordados quieto, mas que não impede a paz de olhos abertos. Paz em desacordo com monotonia e aceitação de um tudo que tantas vezes é nada.

Ouvi dizer certa vez que, quando ainda não nascemos, sabemos de tudo o que vai acontecer. Os anjos do esquecimento, antes de deixar-nos vir à terra, certificam-se de que as memórias do que ainda nem aconteceu serão apagadas. Basta a mão nos olhos para desfazer-se de uma vida sobre a qual já muito se sabe antes mesmo de viver.

Os acasos e a neblina que rodeiam as decisões e que fortificam a caminhada são a prova de que, na verdade, sempre procuramos aquilo que já sabemos. O saber, pois, trata-se senão de um exercício de recordação. Conhecemos sem tomarmos conhecimento.

Tudo, assim, poderia ter sido uma outra coisa qualquer e talvez tivesse tido um significado igual. É quando se percebe a escolha a mover apenas a direção dos ventos, apenas o ritmo da música em jogo. Não há maior consternação do que nos darmos conta de que faltava apenas procurar melhor. De que maior persistência e luta a favor de algo poderiam ter mudado todo um curso já adiantado.

Se abrandamos, pois, a nossa respiração, o tempo também abranda. Temos a incrível e muito pouco reconhecida capacidade de alterar ciclos, de construir momentos. Recordar é reconstruir fatos, sempre completamente diferentes do real. Depositamos emoções que não existiam no momento. Somos sempre outra pessoa a lembrar de uma mesma coisa, fadada a nunca ser igual pela inconstância de quem a vive.

Em tudo o que se vive, espera-se sentido, reciprocidade e consideração. Não dividimos os nossos dias acreditando que as horas não serão bem compensadas por uma companhia, por um carinho, pela construção de uma nova lembrança. Não vivemos, em suma, para sermos completados por alguém, mas para sermos transbordados por uma outra existência. Estar incompleto é a prova de não estar pronto para entregar-se. Ninguém é capaz de preencher vazios que não foram originados na sua presença.

Despedaça-se para reconstruir-se. Uma boa oportunidade para refazer-se diferente. Melhor. Mais adequado às novas cicatrizes que o tempo encarrega-se de deixar. Quando se aprende a conviver com os próprios fracassos, a existência passa a ficar mais leve.

Não se deixar ser tapete de ninguém. Não permitir que se tire o valor e a relevância da própria existência. Mas, sobretudo, saber passar por cima de todas as turbulências em busca da defesa do amor que se sente por si e pelo outro. O amor tudo suporta, desde que o novo sustentáculo enrijeça-se com as velhas vivências, não perdendo a essência do que, lá no início, fez com que se acreditasse que valeria a pena.

 

THIANE ÁVILA.

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