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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Um “eu” que não existe mais

25/1/2016 - São Roque - SP

A vontade de querer saber sobre o futuro talvez seja o abismo de atingí-lo e não conseguir encontrar a si mesmo em um antes breve. A um passo de distância. A mudança de si mesmo para si mesmo é a mutação inerente ao tempo, mas que dificulta um encontro com o “eu” preterizado. Com a ansiedade que já se saciou e voltou a existir exatamente pelo mesmo motivo.

Ao olhar a chuva escorrer pela janela, é verdade que, com ela, parece que o tempo se perde. Tanta coisa esquecida. Tanta poeira levada ao léu em apenas uma gota de tristeza. Uma medida incalculável de serenidade misturada com a nostalgia de não saber absolutamente nada sobre as horas. Sobre o acaso.

É assustador olhar pelo vidro e deparar-se com a alta capacidade de ser cruel que nós temos uns com os outros. A falta de empatia frente à exaustão de existir. O cansaço não se mede pela distância percorrida, mas pela velocidade com que lidamos com o cronômetro que nos aproxima do fim. Somos mais ânsia que desejo. Mais estar do que ser. O mal talvez seja um viver calcado na lembrança do que não aconteceu. Eterna insatisfação pela inércia de querer e não fazer. Sobreviver e não entender o sobre que reside no viver.

No meio da multidão, sinto-me enclausurada pela falta de presenças. Ensurdeço por não ouvir, de fato, o que dizem. É que ninguém mais escuta. Todos querem falar para libertar-se do silêncio que reside dentro de si. Palavras vazias soltas ao vento, postas à sorte de alguém que, por um acidente, queira escutá-las. A arte de prescrever os sonhos é a mesma de ouvir o próprio silêncio. Faz a diferença quem silencia no barulho e não quem decide abrir os olhos no escuro.

O tempo, e isso com o tempo se aprende, é capaz de tirar importâncias. Esconder mágoas. Fazer-nos, pois, esquecer as cicatrizes. Trata-se da fase em que a superação emerge, fazendo sentir a catarse do alívio. Até que, é certo, reencontramos pessoalmente aquilo esquecido e vemos o quão vivo ainda se faz. O quanto o esquecimento pode ser fugaz. O quanto o eu do passado pode voltar a sentir, com um quê a mais de repertório, uma sensação incubada. Um sentimento enjaulado. Somos presente apenas enquanto o pretérito não ressurge. Fortes emoções e fortes sentimentos serão sempre força dentro da gente.

É quando, pois, o roteiro milimetricamente calculado para nossa vida não faz mais o mínimo sentido. Não somos mais os mesmos e nem nunca mais seremos. É o solavanco da maturidade em confronto com a vontade de encontrar-se de novo. Não adianta. A maturidade talvez floresça justamente no momento em que nos damos conta de que nossas perspectivas são vãs. Que não há conclusão frente a uma realidade que se reduz a nada.

Não se trata, pois, de falta de otimismo ou de vontade frente ao mundo, mas sim de compreensão que o que de fato interessa reside justamente em preocupar-se em habitar um lugar de cada vez. Uma vida de cada vez. Um momento de cada vez. A física só faz sentido quando entendemos que nosso corpo é muito mais que o que parece ser hoje ou o que foi ontem. O buraco negro que buscam descobrir o significado está em nós mesmos e sempre esteve, basta fechar os olhos para ver. 

 

THIANE ÁVILA.

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