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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Vivendo por manchetes

24/2/2016 - São Roque - SP

No final das contas, tudo manchete. Tudo capa de alguma coisa. Tudo se resume no visto, no comentado, no tateável. Esse todo que forma o tudo não é o completo. Não é o real. A outorga da própria ilusão age como a própria incapacidade de organizar o pronto. De formular o estruturado. Sou moldura sem forma, tudo cabe e só cabe a mim.

Num pretexto mesquinho de que a forma compactua com a ideia estreita de quem se seja, perco-me nos pensamentos já perpetuados. As decisões tomadas, os erros escolhidos. Sou praticamente pedra com caminhos no meio. Brasa com faíscas mansas. Onda incendiada pelo vento que não dá mais conta de carregar tudo. Assim como ele, não dou conta de todo o peso. O grito pela autossuficiência me engasga. Prefiro o silêncio da companhia subtendida. O remanso de uma tarde com pés embaralhados. Minha mão prefere o encaixe e, sobre isso, não há muito o que ser feito.

Na calamidade dos dias que me assolam, perco em ansiedade o gosto que o júbilo vagaroso tem a oferecer. O pedaço milimétrico. O gosto detalhado de cada tempero, perdendo-se pelo conjunto um pouco da essência que individualiza. Não somos a parte de um todo, somos o todo visto em partes. A partir do momento que me sujeito a integrar-me, não serei nunca mais o que me compunha antes dos acréscimos. Antes de tudo que também escolhi abrir mão pela simples vontade de despertencer. Neologismo antagônico à invenção de tudo o que se sabe e não se dita por medo. Não se cita pela prisão às restrições que nos obrigamos a obedecer.

No silêncio que os passos apressados têm a dizer, é verdade, sinto-me afogada pela própria prisão a que submeto certas vontades. Não lembro qual foi a última vez que gritei a valer. Que abracei durante o tempo que queria, de fato, abraçar. Não entendo o porquê de termos de contar os minutos para que tudo termine. O prazo de validade me frustra, porque tem certas coisas que são eternas pelo simples fato de não terem de ser contadas, matematizadas. O tempo do beijo é a metáfora do que se sente, e jamais deveria significar mais que isso. Quando beijamos pensando no que virá depois, então o beijo já não faz mais sentido. Façamos outra coisa que não beijar. Que não abraçar. Que não amar a tempo e em tempo. Quero a fuga do que possa ser pensado. Falar sem medo de pouco dizer e tudo passar ao outro.

Quando mentalizo a importância do que será falado, enclausuro-me na premência da comunicação sintetizada. Do romance a que são submetidos os enlaces, todos em forma de jogo. Todos táticos e supostamente sedutores. O problema não é apimentar perspicazmente o romance, atribuindo-lhe forma e inteligência, mas exagerar na dose racional com que as ideias vão ser passadas. Ao outro, a quem me interessa, quero falar com os olhos. Com a respiração pausada e com a voz falhada. Gaguejo sempre que falo com quem gosto. Sentimentos muitas vezes roteirizados pela perdição frente à profundidade dos olhos. Olha primeiro e depois fala.

Se o discurso falhar, que o toque preencha. Se as mãos tremerem, que o coração comande. Não sejamos máquinas construídas e treinadas para agradar, tampouco presunção de quem existe apenas para ver e ter provas do que se sabe existir. Nesse jogo ensaiado sobre qualquer coisa diferente do que significa de fato ser, que possamos ser peças desencaixadas. Partes de um todo que balança, bagunça e faz a dinâmica acontecer. Sem manchetes ou capas, que possamos amar em silêncio, transformando em som estridente todo o barulho e alarde que a mansidão de um simples olhar tem a potência de provocar.

 

THIANE ÁVILA.

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