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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O paradoxo da intenção

19/3/2016 - São Roque - SP

Antes do amanhecer, cada estrela que antes fazia morada no céu recai no sono tranquilo de quem atreve-se a dormir no pouco tempo de vida que ainda resta. O despertar é senão a antologia dos desacertos de quem sabe que não há tempo a perder. Se pudesse, despejaria minhas horas de descanso em rebeldia e loucura. Se me fossem dados segundos de insanidade, não faria outra coisa senão encher de beijos o meu desejo mais inibido. Dar voz às minhas tormentas, que só o são por serem alimentadas pela falta de reciprocidade. Há promessas tão reais em meus anseios. Há pessoas tão rasas em minhas apostas.

Ao aprender o mérito existente numa vida sem frescura, estabeleço com o ócio a liberdade de um querer sem filtros. De intencionar sem maldade as coisas mais insalubres que uma mente humana poderia desejar. Nunca afirmei ser a menina sem malícia que pintaram, por precaução, em minha lápide. Sou, na verdade, a podridão em forma angelical. No pensamento, a vontade do minuto presente. É uma pena que tenhamos que filtrar tantos sentimentos. O mundo, às vezes ouso pensar, seria muito mais divertido se nos permitíssemos mais.

Há momentos, contudo, que o paradoxo da intenção surge como consequência subjugada pelos desacertos das interferências. Os julgamentos hipócritas de quem sequer acredita no amor. Meu romantismo, admito, tem se esfacelado a cada tapa que levo. O amor, com o tempo, vai parecendo cada vez mais distante, e a vontade de vivê-lo, cada vez mais próxima do que entendo por tristeza e breu. Talvez, então, a hipocrisia paradoxal resida também em mim. Quem sabe, pois, seja eu a anarquista dos que ameaçam qualquer aposta diferente da que se possa fazer em si mesmo. Somos a garantia mais próxima do que o conceito de garantia prevê.

Em desconexão total com a realidade, a intenção torna-se vilã e contribuinte primeira para a queda da inocência genuína. Embora seja evoluído dizer que não há culpa na decepção, a dor que assola o peito também não me parece próxima da evolução. Ter de recostar a cabeça e deixar que o choro limpe a alma ainda é o melhor remédio, mesmo que impotente frente aos fatos. Amar com os olhos e com a intenção de apenas querer bem faz do egoísmo uma parcela ínfima no que seria saudável para a mantença de uma convivência sem relação. De uma rotina sem pretexto. Assim, em total despropósito, comprometo-me a viver da forma mais vazia possível: cheia de intentos aleatórios aos planos, mas comprometidos apenas com o que melhor se assemelha às intenções silenciadas.

 

THIANE ÁVILA.

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