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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Aprendo depressa a chamar de realidade

5/7/2016 - São Roque - SP

Por vezes, trata-se de uma tormenta que não inspira. De um egoísmo que deixa tudo de lado para se doar. Nessas contradições cotidianas das esperas, estabeleço no íntimo a responsabilidade de não me comprometer. A vontade inerte de pensar em tudo que contempla esse vazio de permanência, invadindo as ideias como parasita expiatório das intenções coaguladas. Das manchetes emblemáticas do peito, que não deixam negar nada. O olhar que escapa pela boca, dizendo verdades encardidas e adiadas.

Como exercício de reconfiguração, busco a intimidade com o contato que possibilita a confusão compreendida. Ao saber, pois, da imensidão da perda, a contingência do retorno é o tesouro no fim da linha. O objetivo que se busca quando as forças enfraquecem, quando a inércia dita as regras. Como norma, reitero a vontade de ter, a ânsia de estar sempre com pressa. Corrida perdida e sem pódio de chegada. Amor abastecido de histórias e sem garantia. O retorno será sempre apenas uma chance e nada mais.

Pedi que tudo se organizasse no local reservado às ideias. À presença, à virtude. Como quem precisa estabelecer os máximos em terra de mínimos. À moda subjetiva de fazer acontecer o improvável. À tua chegada, o cuidado para que tudo esteja limpo e arrumado. Bagunçado à maneira ideal, realocado com as prateleiras imersas na necessidade de não encontrar algumas coisas. Precisamos sempre ter o que procurar. A solidão da existência é a perda proposital de um depósito feito de emergências, de uma saga escrita de memórias e rarefações contempladas a sós. A relação única e dialogada que abastece os ânimos, vez que outra, de coragem insana.

Ao observar os recursos à mão das ousadias, lamento pelos homens perdidos em clarão. Em certezas exageradamente justificadas, levando ao afogamento criativo. À repercussão torta de uma descoberta despretensiosa. Talvez, quem sabe, a surpresa de uma criança em terra de desconhecidos íntimos pelo olhar. Amigos antigos do toque que se entende logo no primeiro gesto. Logo na primeira ameaça de calor aproximado. No fim, a potência da vicissitude enjaulada e perdida em algum ponto da nossa existência.

Numa vida ainda sem blues, jazz ou Caetano. Por entre as ruas silenciadas de uma imaginação prestes a explodir, a exaurir em ternura pelo novo, em reconhecimento e admiração pelo velho. A passos largos, engrandecemos o supérfluo, fazendo do ínfimo a luz rasteira de um sentido oculto. Ao chegar, anseio que ela perceba minha consternação, minha pressa, minha loucura. Sou ansiosa pela chegada da ansiedade. Pedinte legítima da organização fora de ordem, como que deixando limpa a sujeira real de persistir na insistência da menina que demora a chegar. Desarmônica com o tempo e anacrônica com o sentimento. Talvez uma vida personificada pela minha própria transgressão em denegrir. O peito robustece a alegria de ver pelas mãos o sorriso dos olhos.

Pobres coitados, penso, dos acontecimentos em forma de humanidade. Meu devir romântico, em busca de recanto para silenciar ou abafar os gritos em holofotes clichês, climatiza o ato na prepotência de quem não quer ou não sabe recebê-lo. A aposta, via de regra, é via regrada de uma norma confusa e ainda não estabelecida. Utilizando de neologismos eternos, mesmo que seculares, a devassidão dos que interrompem a solidão para compartilhar a falta de companhia é uma analogia direta àqueles filmes troianos de guerras exasperadas e excitantes. A luta age como que se reduzisse a espera em ato e protagonismo. Todos querem morrer como heróis. Mártires da própria vida, ansiando tudo o que não têm.

Pela menor das chances, engrandeço a chamada como tentativa de fazer valer a ação. Não que seja necessário o reconhecimento vil de quem não vai entender de qualquer forma, mas, quem sabe, tornando-a mais didática, a hibernação de toda a sinestesia que nos envolve possa remover do excesso de parâmetro um quê de referencialidade vaga. É raro, pois, recobrir-se de certezas sem se limitar ao externo. Sem adotar como base única o mentalismo correspondente a uma lógica própria, a uma conclusão única. Essa exigência por adequação delimita os contornos que poderiam desmistificar-se em verso, em prosa, em música. Felizes os que romantizam a espera, porque dela não se livram. Nesse compasso, meu ritmo diacroniza a sincronicidade que tentam impor. Do tempo, faço a metáfora necessária para a perda da sequência como sentido da vida.

 

THIANE ÁVILA.

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