ColunistasCOLUNISTAS

Jonathas Rafael

Autor: Jonathas Rafael

Família e relações intergeracionais

2/9/2016 - São Roque - SP

Não é incomum a um psicólogo, e também a outros profissionais e demais pessoas, as seguintes queixas de pais e/ou cuidadores: “Minha filha não me respeita!”, “Meu filho está muito rebelde!”., seguida de: “Está jogando no lixo tudo aquilo que lhe ensinamos! É para o bem dele(a), mas ele(a) não entende!”. A esses, somos levados a dizer um “Sejam bem-vindos à família!” acompanhado de um cauteloso “Que bom!”. É indispensável explicar por quê.

 

Sabemos que a família é a instituição primeira a que o ser humano pertence. Instituição porque possui regras, sejam em nível funcional ou simbólico, que regulam as relações entre seus membros; regras estas carregadas de ideologias, utopias e, não menos frequente, preconceitos. Está intimamente relacionada aos costumes, hábitos e valores da sociedade e cultura em que está inserida. Sabemos, também, que, desde a tenra idade, seus integrantes absorvem essas regras, enxergam a realidade por meio delas, bem como as transmitem aos outros.

 

O fato é que, nesse processo de transmissão, ocorrem falhas, já que os transmissores, pais e/ou cuidadores, são mais velhos e possuem visões de mundo que não condizem com as de seus receptores, seus filhos(as). O adulto busca transmitir aquilo de que ele faz uso para interpretar a realidade, transmitido, principalmente, por seus pais e avós. Ao mesmo tempo em que busca transmitir tais regras, busca legitimá-las negando as diversas outras maneiras de enxergar a realidade.

 

Por isso um “Sejam bem-vindos à família!”, já que falhas na transmissão das regras, valores e hábitos, há muito tempo transmitidos sem ser questionados e/ou rechaçados, acontecem em todas as instituições familiares, com mais ou menos frequência. Não evidenciam, em geral, problemas severos na dinâmica relacional dos membros da família. Podemos dizer que isso é parte integrante da instituição familiar.

 

Isso pode acontecer com mais frequência na adolescência, período em que o ser humano está a descobrir novas possibilidades, novos referenciais, já que se acha inserido em instituições outras, como a instituição escolar, às vezes na instituição laboral, exercendo atividades compatíveis com sua idade. Estando inserido em instituições outras que não somente em sua família nuclear, absorve valores, hábitos e costumes constituintes destas próprias instituições, bem como de seus diversos membros, cada qual com sua visão de mundo.

 

E por que as falhas na transmissão de valores, hábitos e costumes peculiares de cada família poderiam ser boas? A resposta que podemos dar é porque a partir do momento em que os(as) filhos(as) discordam daquilo que seus pais e/ou educadores estão lhe transmitindo, indica o desenvolvimento do que chamamos diferenciação, isto é, processo em que o ser humano começa a entender que nem tudo o que sua família lhe transmite é verdade absoluta, promovendo e reforçando sua socialização. Podemos dizer que isso é bom também porque, a partir do momento em que o(a) jovem desenvolve a diferenciação e questiona, a seu modo, sua família sobre o que lhe estão transmitindo, as visões de mundo dos mais velhos são concomitantemente afetadas, podendo ser promovidas suas desconstruções, bem como abre espaço à construção de novas visões de mundo, mais alinhadas ao estado atual da realidade.

 

Enfim, embora esse processo não cause à família problemas severos, pode acontecer que sim. Para evitá-los, é indispensável que seus integrantes desenvolvam a maturidade, compreendendo que a realidade é complexa e instável. Os(as) jovens também, uma vez que têm de lidar com a diferença. Para tanto, é indispensável haver comunicação entre eles, respeito e, por que não, apoio especializado, quando necessário, uma vez que se despojar de hábitos, costumes e valores transmitidos há tempos e já enraizados na psique não é, em hipótese alguma, uma tarefa fácil. Requer coragem para tocar nas feridas e paciência para vê-las cicatrizadas.

 

Jonathas Rafael

2/9/2016


 

Compartilhe no Whatsapp