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Jonathas Rafael

Autor: Jonathas Rafael

Supervalorização das culturas “de fora”: uma perda de identidade nacional

1/11/2016 - São Roque - SP

“Receberemos nesta semana a visita da modelo internacional em nossa instituição, para falar sobre técnicas inovadoras de Design, não percam!”. “Ok, quando estiver preparada, pode começar a cantar o grande sucesso internacional Halo, de Beyoncé!”. “Não, estaremos indo ao Rio é nesta noite! Vamos ver se desta vez conseguimos os passaportes para morarmos nos EUA, ganhar um dinheiro e, claro, apreciar o que lá tem de melhor!”. “Mas, na Suécia e na Holanda, as prisões estão fechadas, enquanto que no Brasil estão lotadas, o que indica ter algo de errado com essa merda de país!”. “As melhores obras literárias são as de Shakespeare e Dostoievski, por aqui só se fala de coisa banal!”. 

 

Não é difícil escutar declarações desse tipo, seja no ponto de ônibus, em casa, no trabalho, nas Universidades e Faculdades, em conversas formais e informais. Declarações que, no final das contas, buscam supervalorizar culturas “de fora” e, indispensavelmente, depreciar a cultura brasileira. Demonstra-se com declarações desse tipo que a “identidade nacional”, tão perigosa em excesso e em escassez, está desajustada. Os extremos não são aconselháveis. 

 

Ocorre que há, então, a tentativa de modelar a cultura nacional segundo a(s) cultura(s) “de fora”, responsabilizando a primeira por tudo que ainda não deu certo ou pelo atraso nesse processo de modelação. As culturas “de fora” são tratadas como ideal; são tratadas como a parte que falta. Enquanto isso, somos tratados e nos tratamos como atrasados, (a)culturais e incivilizados, logo, necessitados de alguém, uma cultura outra, que nos ensine, de fato, a sê-lo. 

 

E, quando se fala em cultura “de fora”, não se diz somente à dicotomia, muita das vezes perversa, entre Brasil e EUA, Brasil e Suécia, Brasil e Holanda, Brasil e outro país. Ocorre que a supervalorização da cultura “de fora” e a depreciação da cultura "de dentro” se acham presentes também na vida cotidiana. Por exemplo, não é raro o fato de haver maridos que são austeros com suas esposas na vida doméstica, ao passo que na vida pública demonstram-se mais atenciosos e flexíveis. Em um processo de recrutamento e seleção o público externo ser privilegiado, posto que na equipe já composta de colaboradores haja quem possui requisitos e habilidades necessários para o cargo em aberto. Ao referenciar autores na produção textual acadêmica, recorrer àqueles formados nas Universities abroad. Ser cobrado, mais e mais, a proficiência em idiomas como o inglês, francês, alemão, sendo a língua materna pouco valorizada, em nosso caso, o português brasileiro. 

 

Essas declarações, e tantas outras, estão intimamente ligadas ao ato explorador que estropiou a cultura brasileira, sendo (in)justificado pelo avanço da cultura exploradora e pelo atraso da nossa. Ao mesmo tempo em que se era convencido de que éramos atrasados, convencíamo-nos, em geral, de que, de fato, necessitávamos de ajuda para nos civilizarmos. Internalizamos, então, esse discurso. Por meio dele, o que é nacional, que faz parte de nossa produção cultural, passou a ser depreciado, ao passo que o que advém de culturas “de fora” passou a ser supervalorizado. 

 

“A grama do vizinho é mais verde”, poderíamos dizer para ilustrar o que acima foi dito, o problema é que essa grama só é mais verde de longe. Quem declara que sua cultura é inferior e as culturas “de fora” são modelos a serem seguidos, trama contra si mesmo, uma vez que sujeito e cultura são incompreensíveis separadamente. Somos frutos de nossa cultura. Ao mesmo tempo em que a afetamos, somos afetados por ela. Se a julgamos atrasada, inferior, deplorável, dizemos de nós mesmos – isto não se torna claro a quem age assim. 

 

É importante compreendermos que cada cultura tem suas particularidades, e não deve ser comparada a nenhuma outra cultura, a fim de depreciação. As culturas “de fora” têm, sim, uma diversidade de hábitos e costumes a serem transmitidos a nós brasileiros e a todos os outros povos, da mesma maneira que nossa cultura e as demais também a têm. Se quisermos valorizar o “de fora”, o outro, precisamos, antes, aprender a nos valorizar.


Jonathas Rafael

1°/11/2016

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