ColunistasCOLUNISTAS

Davi Junior

Autor: Davi Junior

A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri

4/10/2011 - São Roque - SP

Resenha: Toscani, Oliviero (2004/1996). A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri; 5ª edição, Rio de Janeiro: Ediouro 

Se há algo que não podemos deixar de falar de Oliviero Toscani é de seu legitimo atrevimento. 

Uma pessoa atrevida responde e pergunta o que aparentemente não deveria, tira, mexe, troca, vira, ou seja, muda as regras do jogo (ou pelo menos tenta). 

E é isso que Toscani faz com todo o mundo publicitário atual em eu livro “A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri”: tentar alterar o modo como as pessoas e os profissionais da área encaram o modo sistematizado com que são criadas as propagandas do nosso cotidiano. 

Seja em outdoor's ou em seu livro, Toscani está sempre a surpreender.

Toscani foi um dos fotógrafos mais odiados do início dos anos 90, quando assumiu as campanhas da United Colors of Benetton, uma mega indústria da moda internacional. 

Com uma idéia diferente do que era fazer publicidade, o italiano resolveu provocar a reflexão sobre temas como AIDS, preconceito e violência em suas peças ao invés de vender os produtos da Benetton. 

Numa mistura de imagens chocantes e ao mesmo tempo belas, essa campanha ganhou os outdoors e as páginas das revistas da Europa e do mundo, ou pelo menos da maioria desses veículos, já que muitos deles consideraram as imagens de roupas ensangüentadas, de uma negra amamentando uma criança branca ou mesmo de um padre beijando uma moça na boca, muito extravagantes e sensacionalistas. 

O livro é uma mistura de desabafo, portfolio, autobiografia e opinião sobre a publicidade. 

Trata de toda a repercussão gerada na época. O autor conta como eram as coletivas de imprensa que ele e Luciano, dono da Benetton, tiveram que encarar nos diversos países por qual passaram. 

Toscani começou a chamar a atenção do mundo em suas campanhas para a United Colors of Benetton.

Também fala de sua trajetória pelo mundo publicitário, desde sua infância, quando resolveu se tornar fotógrafo, passando pela adolescência de descobertas artísticas, até quando conheceu Luciano Benetton, quem mais o apoiou nas campanhas, mesmo quando o próprio Oliviero tinha dúvidas se deveria ou não prosseguir em um outro anúncio. Por isso não é exagero dizer que o livro é em partes autobiográfico e um grande desabafo de experiências boas e ruins que o autor gostaria de compartilhar com alguém. 

Por que portfolio??? Há publicidade maior para o trabalho de um autor do que a análise dele próprio e toda a história por trás dos bastidores??? 

Toscani encara a publicidade como arte e como toda arte, uma ferramenta transformadora da sociedade. Porém, ele vê os publicitários agindo soberbamente, como uma simples engrenagem que dá continuidade a um ciclo vicioso: 

“Os publicitários não cumprem sua função: comunicar. Carecem de ousadia e de senso moral. Não refletem sobre o papel social, público e educativo da empresa que lhes confia um orçamento. Preferem despender centenas de milhares de dólares para colocar alguns cavalos galopando atrás de um Citroën, sem se preocuparem como todos aqueles que são obrigados a praticar rodeio nas estradas. Não querem pensar nem informar o público, com medo de perder os anunciantes. A responsabilidade deles é imensa. Têm a incumbência de refletir sobre a comunicação de uma marca, sem ficar apenas no puro marketing. Precisam impulsionar esse sistema publicitário que anda em círculos, incita a consumir cada vez mais e já não convence. A condição humana é inseparável do consumo; neste caso, por que a comunicação que o acompanha deveria ser superficial?” (pág. 25) 

 

Como ele mesmo diz, o que faz não é vender a Benetton. É estimular uma idéia através da Benetton. Ele nunca se preocupou em saber qual a reação do consumidor ao ver o logotipo da empresa anexado ao anúncio, só queria provocar quem visse a foto. 

A crítica social de cada peça punha em cheque os valores sociais.

O autor usa um tom irônico e egocêntrico em seu discurso, encarando a classe publicitária como crianças que usam a mesma fórmula por anos a fio, com a desculpa de querer vender felicidade. 

Apesar desse posicionamento radical do autor, esse pode ser o melhor livro de cabeceira de qualquer publicitário, já que é o tipo de leitura que estimula encarar cada peça como algo novo, dando uma nova percepção do contexto que se quer provocar. 

Cada vez que o autor acusa a publicidade de cometer crimes, abre-se um leque imenso de interpretações sobre o que são esses crimes, qual o tipo de propaganda que fomenta e sacia o consumidor, qual o porquê da publicidade estar nesse ciclo vicioso. 

Vemos milhões de dólares sendo gastos em campanhas que só estimulam a compra, os desejos e a competição. Ilusões provocadas pela mídia em geral, que tenta montar um estereotipo de consumidor. Essas se deterioram rápido, são cadáveres vestidos de ouro e pedras de rubi. 

Mas fugindo dessa ilusão comum, é possível despertar um conceito real, não necessariamente com um cunho social, como prega Toscani, mas que faça o consumidor guardar a marca por algo a mais que o produto. 

Ainda hoje, Toscani é referência quando o assunto é usadia publicitária.

E é esse atrevimento do autor, que pode ser um bom ponto de inspiração para enterrar definitivamente um cadáver que se disfarça a cada dia em propagandas tão fúteis e triviais que já não convencem, tanto pela sua mensagem rala quanto pela carnificina de seu sorriso.

Compartilhe no Whatsapp