Os parâmetros que decidem pelos nossos zelos e descasos, pelas angústias e pelas apostas, pela serenidade e pela tormenta são os mesmos que reiteram os extremos aos quais, inevitavelmente, aderimos – ainda que estejam nos intervalos. Nos meios. Nos interstícios. Nem sempre, ao final, vê-se um fim, ainda que o fim sempre ocorra nele. São as nuances incrédulas e apáticas de uma vida de força centrípeta.
Qualquer verdade dita em momento exaltado é uma promiscuidade das palavras. Não que o cálculo seja uma garantia, mas o fato é que o impulso é a alavanca do desejo – descompromissado com o depois. Gerado pela simples vontade de ser. É que o desejo, desde o nascimento, vem contaminado com a morte. Sua efetivação é o fim de uma sensação. Não há depois quando o objeto é assimilado ao sujeito. O amor é mais que isso: ele é o sujeito assimilado no objeto.
Não falo, pois, de amor romântico à moda antiga. As profanações de sentido foram iniciadas a partir do momento em que inserimos a pressa na rotina. Deixar de viver para que não se perca a oportunidade de viver depois. Deixar de amar, pois, como se fosse um sentimento fadado ao desgaste – um medo líquido de não tê-lo para usufruir depois. Não se vive justamente pelo medo de não conseguir viver o que vem em seguida, ainda que esse tempo não exista.
O amor, nesse ver desromantizado e cético, talvez corresponda à espera tardia de uma chegada que recém se foi. Uma corrida contra o tempo que quase não passou, incitando sentido a uma presença aos moldes de um último encontro. Envolver-se, então, trata-se de despedir-se a cada partida, independentemente da circunstância ou do intervalo entre as chegadas. É que quem ama parece ter pressa de ser feliz e de circunscrever, nas brechas que vida dá, ainda que por descuido, uma história remanescente de um equívoco social. Já diziam que o amor é revolucionário.
Numa metáfora chula e despretensiosa, angariaria significado estabelecer uma linha tênue entre a roupagem das sensações e a abreviação dos atos. Não há emblema pior do que aquele incoerente com as respostas do espírito. Roupas como máscaras para se antecipar o sofrimento e a alegria. Não há fórmula, é certo, mas essa canonização das perdas em tempo recorde parece-me um cancro malicioso de uma época que ainda não apreendeu a falta de sentido que esse tudo carrega. Vivemos numa era produtiva que procura produzir os ideais até mesmo nas relações – eis a justificativa da fluidez e da doença na força centrífuga do amor.
Aos poucos, quem sabe, a chantagem dos amantes torne-se o motivo primeiro para a insistência não só no ato, mas nas resoluções. Acostumamo-nos com o prazo de validade e com a vida útil, atribuindo aos conflitos emocionais a mesma prerrogativa dos produtos da prateleira. Somos, no entanto, produto inacabado e com defeito de fábrica. A jogada da revolução, nesse momento, parece-me a contramão dos gostos: querer amar com a mesma premissa de quem evita a morte. Ninguém consegue livrar-se de ambos os males; portanto, a melhor receita ainda beira o abismo da entrega. Entreguemo-nos.
THIANE ÁVILA.