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Jonathas Rafael

Autor: Jonathas Rafael

A “culpa” não é das estrelas, muito menos da vítima

1/2/2017 - São Roque - SP

 “[...] Não acredito, não ficou sabendo? Mas também só fica postando foto! Os carinha que viajava de moto e entrou numa favela do Rio, e os traficante atiraram neles. Acharam que eles eram polícia e fuzilaram eles! Vou te falar também, né, os cara nem conhece a cidade e vai entrando nas quebrada sem saber, é querer morrer. Se é assim que funciona, tem que ficar esperto! [...] Tinha GPS, mas nunca que eu ia confiar! Tá é doido! Lembra, não, quando o....”.

 

“Nó, sabe quem morreu? Pois é, uai! Nó, a mãe dele tá triste pra caramba! Tava fazendo show em BH na hora. [...] Uai, os policial entraram na favela e começaram a trocar tiro até que de repente acerto nele. Uns disse que ele era bandido, mas não sei! Ah, mas também, né, o que é que o cara tava fazendo na rua na hora dos tiro, tem juízo, não! Já era! Já foi! Agora é chorar! Mala, também nem conhecia o cara!”.

 

“Ih, é aquele carinha que faz reportagem! Aquele, sô! Nu, deram nele um cacete mesmo! Que isso! Até nele! O trem tá feio! (risos) Mas o cara vai na muvuca fazer gravação! Tem que tomar cuidado. Depois apanha dos PM no meio do negócio e fica reclamando! Não dá, né!”.

 

Escutei esses diálogos no fim de 2016, mas são/estão bastante recentes até. O que os três têm em comum é a tentativa frenética de legitimar a ideia de que as vítimas de violência são as responsáveis por aquilo que lhes acontece(u). Não é recente essa tentativa, e tem sido acolhida por algumas (poucas e isoladas?) figuras importantes como, por exemplo, os representantes da lei e demais pessoas influentes.

 

A palavra “culpa” me causa desconforto, é preciso evidenciar. Ao dizê-la, lembro-me imediatamente de um discurso que visa a instaurar em cada um de nós a ideia de que somos os agentes desencadeadores de toda a desgraça que assola o planeta... Mesmo assim, é a que mais costuma ser expelida, pelo menos por bocas ávidas. Assertiva, então, embora para muitos não se faça bem entendida, é a palavra “responsabilidade”.

 

Ao responsabilizar as vítimas de violência, busca-se pretensiosamente inverter os papéis. Não é tão raro assim ver pessoas defenderem que as vítimas também deveriam sofrer as punições da lei, já que provocaram os atos de violência que sofreram. Não é tão raro também ver pessoas defenderem que o autor do ato agiu de tal modo influenciado pela vítima, sendo passível de uma punição legal mais branda, ou talvez nenhuma.

 

Busca-se, não menos, supervalorizar pretensiosamente o ato violento, enquanto as vítimas, suas dores e sofrimentos são colocados em segundo plano. Quer fazer crer que a violência está posta, que nenhum tipo de intervenção será capaz de preveni-la e diminuí-la, e a vítima, por não se cuidar, é a responsável. Um pensamento claramente niilista.

 

Assumir a responsabilidade de um ato violento praticado contra si mesmo não é uma escolha. Ninguém pede para ser alvo de um ato de violência. Ocorre, no entanto, que com muita frequência pessoas são encurraladas, dominadas, alienadas por esse discurso perverso. Sem recursos, acabam se sujeitando e, enfim, tornam-se objeto de gozo.

 

Isso não implicar dizer em absoluto que a “justiça com as próprias mãos” tem de ser colocada em prática. Para mudarmos esse quadro, é indispensável instrumentalizá-las, ajudá-las desenvolver recursos simbólicos para poderem entender melhor a situação que vivenciaram ou estão vivenciando. É preciso contribuir para o desenvolvimento do protagonismo das vítimas de violência. Pense nisso!


Jonathas Rafael

1°/2/2017

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