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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Questão de roteiro

16/2/2017 - São Roque - SP

A tentativa de se entender é um massacre que corrói as partituras de qualquer roteiro. Vivendo como que dentro de uma música feita para não sentir, enquadramos as vivências àquilo que pondera o aceitável. Ao que reconstrói as noções sobre a vida ao redor. Pouco ou nada de nós é digno de redenção. Confraternizando com a dor como forma de sobreviver a ela. Fazendo, pois, amizade com os momentos de solidão, a fim de compartir de uma dor que insulta, que agride e que deixa sem escolha.

Dentro de cada compartimento das experiências, isolam-se os motivos circunstanciais para continuar onde se está. Não há corpo que suporte a carga de um mundo inventado e que não se escolheu habitar. A sanidade emocional é irmã dos projetos insandecidos que dão gás. Que levam para frente - ainda que a direção seja oposta. O sangue derrama, como lágrimas, a agonia de uma ansiedade insaciável, sem precedentes. Ou as coisas se liquidam ou outras as liquidarão.

Como num romance escrito para não ser programado em vida, renunciamos às expectativas como forma de amenizar o fardo dos dias. Vendem-nos histórias e realidade. Buscam, pelo massacre capital da era sem efeito, roubar as profusões ínfimas de sentido que resta. As horas, pois, são carregadas dentro das mochilas cheias de planilhas a serem preenchidas. Cheias de fotos esquecidas e com cheiro de café amanhecido. Vestimos cinza e cheiramos à pressa. Qualquer migalha a ser engolida pela sobrevivência orgânica e pronto. Consumimos as imagens técnicas de um retângulo virtual que parece ter mais vida que a maioria de nós. 

Ao amanhecer, a sentinela da liberdade toca dentro de uma gaiola. O ruído das opções infinitas que se reduzem a uma só. Não há alternativa, tampouco sorriso que conceitue sorrir. Canonizamos as mortes como tentativa de remissão dos erros em vida, fazendo do fim a romantização perfeita para os novos inícios - com novidades frescas nas prateleiras que vendem significados.

A possibilidade de os instantes serem, de fato, os últimos, perturba a mente daqueles que buscam os holofotes da lembrança no esquecimento inevitável. Nunca aprenderemos a lidar com o desaparecimento e com a fugacidade de uma existência que não tem precedentes, mas que é cheia de substitutos. Talvez o egoísmo da unicidade nos torne tão estúpidos a ponto de roteirizarmos as próprias desvalias em forma de justificativa por uma fatalidade de nascimento. Hipocrisia vestida de gente parece não ser a roupagem, mas o contrário. Enfim, trucidamos as próprias lamúrias para sentir na pele o que sufoca.

 

THIANE ÁVILA.

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