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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Não ser o que fazem de nós

2/3/2017 - São Roque - SP

A camuflagem dos nossos sentidos reitera as constelações encabuladas de um desejo obscuro. Somos, por vezes, a transmutação das próprias arrogâncias, invertendo o significado pelas noções destorcidas que temos de cada semântica. Os traços carimbados pelo mundo não deixam de exprimir no rosto a agonia de precisar, vez que outra, sucumbir as vontades. Reiteramos as afirmações sobre a vida, colocamos as próprias certezas em debate. Assim concluímos a atmosfera interminável sobre quem ser ou não permitir que se seja, a padronizar o ócio como um erro e reafirmando o certo com nenhuma sutileza.
 
As respostas das pessoas sobre nós parece incidir de forma decisiva pra todo o resto do comportamento. A tendência involuntária de dar apenas o reflexo ao que nos encara, percebendo em si o que mais se nega e lamenta. Trata-se, quem sabe, de uma presença irrevogável das principais ausências de nosso ser, formando com a vida o acordo de procurar justamente por aquilo a que não se busca pertencer. São as nuances enrustidas de saudade que negamos a todo o momento pela teimosia de não precisar, sem admitir as próprias falhas e enxergando o erro como forma de acertar. Talvez o funeral das virtudes esteja exatamente onde não encontramos morte, seja por insistir na estupidez ou por contar demais com a interferência da sorte.
 
Não ser o que fazem de nós passa por maturar, na consciência, os detalhes quase invisíveis que constroem os sentidos e remontam, na semiótica da própria existência, as atribuições particulares de significados a cada manifestação que nos invade. As violências sofridas e os zelos percorridos pelo olhar são a prova circunstancial das mudanças de grau das nossas expressões e a circuncisão primordial das ações que nos implementam. Qualquer atitude gera um comprometimento seu, compartilhando reações sem que elas precisem se transformar num estereótipo de eu. 
 
A maior dificuldade encarada talvez permeie a força frente aos instintos. Não responder ao mundo como ele quer é, pros outros, o maior dos insultos. Ainda que façam de nós a pior criatura, que desfigurem os princípios ao montar em nossa personalidade a mais chula das caricaturas. Ainda assim, ainda que perturbados e desolados, dissidentes ou isolados, a premissa pra qualquer enredo deveria ser as construções inerentes a uma semiologia original, interferida pela lei do retorno e confirmada pelo receio do que é hipocritamente normal. Não ser o que fazem de nós talvez seja a insistência pela contramão e a crença no que há por vir, sem falsas demonstrações ou aquelas abreviações do que poderia, mas não quis persistir.
 
THIANE ÁVILA.
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