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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Sentir sentir

27/6/2017 - São Roque - SP

Hoje, por um erro fatal de cálculo, vejo-me colocada, mais uma vez, à mercê da pele que aflora, dos ânimos que exalam em suor. Como boa ariana, vivo na corda bamba dos limites, fazendo travessuras com as horas apressadas, lidando com a vida como se ela me pertencesse. Como se eu pudesse fazer algo com relação a ela. Na verdade, somos meras marionetes de um tempo que tem nossas vontades como coadjuvantes. Sem pensar no depois, cumpro com meus roteiros com a prerrogativa única de sentir arder. De sentir sentir.

A linguagem, por assim dizer, é um ato que reverbera em sentido à medida que conforma o seu uso. Assim me comunico: usando a energia para significar até o desimportante, como se a adrenalina estivesse sempre no proibido, no arriscado. O risco é o que badala o descompasso do meu relógio.

Não me orgulho em perceber as projeções que faço, os defeitos que acuso, mas que, genuinamente, estão mais em mim do que nos outros. Sinto-me, em alguns momentos, engaiolada. A confusão de não saber se o exagero reside dentro de nós ou se, em certos pontos, diminuímos as importâncias por desacreditar nas próprias valorações. O sentimento abusivo é uma constante da qual é difícil de se livrar exatamente pelo seu efeito ambíguo em meio à racionalidade de quem dele sofre: a capacidade de fazer acreditar, ao passo que faz da dúvida uma intrusa que consome a crença em certas verdades e valores.

Invalidamos dores, supervalorizamos pessoas e deixamos para depois a limpeza íntima do nosso próprio ser. Parece-me, vez que outra, que a humanidade passou a se relacionar apenas para se consumir. Uma antropafagia afetiva, daquelas capazes de retirar do outro o cerne dos sorrisos e a compostura autônoma sobre as próprias deliberações. A posse se associa ao estar junto. O estar junto torna-se inimigo da liberdade. A metalinguagem do amor tornou-se a antítese do seu próprio discurso. Vive-se para sentir pelo transtorno, acreditando que a dor é a forma mais genuína de consolidar o que significa compartilhar o próprio mundo.

 

THIANE ÁVILA.

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