ColunistasCOLUNISTAS

Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Não projete em mim

19/1/2018 - São Roque - SP

Sem expectativas e sem espera. Um dia de cada vez, uma cerveja boa e outra barata. Do mesmo jeito de sempre, mas diferente. Com um toque suave de alegria para continuar o assunto, mas com a tristeza típica de quem escreve para se libertar. Poucos entendem o sentido de não parar de escrever, mas é que o papel é um dos poucos lugares que acolhe o que é intersticial. O subliminar de não saber explicar nada, mas, insandecidamente, colocar tudo o que não se sabe em linha e verso.

Sem pressa e sem rodeios. Sem assunto planejado, mas com aquela hora marcada de sempre - o atraso me irrita. Sem projeções e sem ansiedade pela próxima vez - talvez ela não venha. Prefiro que não espere uma noite inteira para me ver chegar, tampouco um início de manhã comigo do lado. É claro e simples. A liberdade é algo que não se controla, mas que corre nas veias e não cabe no peito. Ser livre é transbordar as vontades e não saber dizer não para si mesmo, ainda que, de quando em vez, isso aconteça - culpa dos coágulos que alguns apegos geram no fluxo sanguíneo. Esquecer de si mesmo é o primeiro passo para esquecer de todo o resto.

Um sushi ou um boteco. Uma mesa de bar ou um pub com música ao vivo. Leve e sereno, de preferência com muita risada interrompendo o papo e muito silêncio para ter tempo de olhar nos olhos. Não é romantismo, é necessidade. Asseguro que olhar nos olhos não me faz ficar, mas me faz permanecer. Não quer dizer que nos falemos durante os próximos dias, mas significa que vou guardar a memória. Quem escreve se alimenta do que vê e vive. Não admire se eu ficar quieta e calada, pois não tem relação alguma com tédio ou vontade de ir embora. Pelo contrário, o silêncio que me mantém é a garantia de que tudo está bem. E tenha a certeza de que, ao chegar em casa, a primeira coisa que farei é sentar em minha janela, servir minha dose de whisky e libertinar nos papéis que já me aguardam em cima da cama.

Não projete nada em mim nem em ninguém. A sina de quem coloca seus planos no outro é nunca vê-los satisfeitos. Compartilhar momentos é inerente e vital, mas não construir expectativas e não depender emocionalmente de ninguém é essencial. É preciso poder ir embora sempre que precisar e quiser. Abandonando a bengala das frustrações, desprender-se do ontem e levá-lo como uma brisa perene nos olhos que, ao encontro de rostos parecidos ou de lugares que lembram, ficarão sim inundados, mas não inundados pela vontade de voltar, e sim pela sensação de leveza por ter vivido. O grande segredo de se resolver consigo mesmo talvez resida exatamente nisso: amar o passado sem desejá-lo de volta.

 

THIANE ÁVILA.

 

Compartilhe no Whatsapp