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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Juro que não é saudosismo

24/3/2018 - São Roque - SP

Essa semana, me peguei comendo feijão puro no almoço. Assisti a um filme comendo uma panela de arroz puro e, de madrugada, levantei só pra conferir se não havia alguém no banheiro (apesar de morar sozinha). No último domingo, precisei ir para a casa dos meus pais e comer pão de queijo e rosca da padaria do bairro vizinho - a que tem os pastéis caseiros mais macios. À noite, cochilei no colo da minha mãe enquanto recebia cafuné. Na manhã do outro dia, café com leite na cama e bolachinha água e sal. Minha mãe sentada na ponta da cama conversando comigo - o primeiro e mais importante carinho do dia, como sempre foi quando morava com ela.

Ao pegar o carro ainda na casa dos meus pais, fui até o condomínio mais bonito da cidade, de onde se vê o céu mais limpo e o sol mais brilhante. Não tem nada demais, mas é como se fossem as horas dando as mãos, combinadas, por compaixão, a passarem mais devagar, orquestrando o nosso intervalo dos outros. Fiz o percurso tal e qual sempre fazia quando morava lá. Quase mitológico de tão ritual, embalado pela mesma música e invadido pelo vento dos vidros escancarados tocando o peito que, nesses momentos, respira o ar do tempo que passa para as coisas boas e para as ruins.

Essa semana, me peguei abraçando um travesseiro antigo de lembranças, chamando para uma conversa ora real ora imaginária algumas pessoas que não estão mais tão perto. Encontrei uma velha amiga, a mais antiga delas, que, comigo, forma um par que conduz as horas do relógio em total descompasso com as do nosso ritmo. Relembramos as épocas que não nos reconhecem mais, tampouco que nós reconhecemos, e rimos da vez em que brigamos para quase divorciar. Trouxemos para dentro dos copos de cerveja os anos que se passaram e recordamos o quanto ainda nos amamos. Foi uma noite em que a vida que ficou lá atrás reapareceu com uma roupagem leve, atualizada e plenamente viva para mim. O que passou ainda vive. Percebe o quão belo é isso?

Numa manhã dessa nada saudosa semana, levantei, peguei meu iogurte na geladeira e ainda fiz um delicioso cappuccino. Gulosa, pensei, pois meu café da manhã é sempre só um iogurte light. Não satisfeita, antes de ir para o trabalho, passei na melhor padaria da cidade baixa e comprei três pães de queijo. Três. Fui caminhando até a agência naquele dia só para aproveitar cada pedacinho deles e para deixar que cada raio de sol penetrasse minha pele exageradamente branca que, hoje em dia, só chega em casa depois das dez da noite. Não dá para pegar aquele sol infantil depois - ou antes - do almoço, temperado da improvável mistura de bala de iogurte com pepsi light, compatível apenas para mim e meu irmão.

Essa semana, dirigi ouvindo Continental. Coloquei muito 4 Non Blondes no repeat e cantei de vidros abertos Vienna do Billy Joel. Fiz um bate e volta até Tramandaí, desliguei o celular e fingi que tudo ao meu redor não existia. Me atrevi a sumir sem avisar e a voltar sem que percebessem que saí. Percebi a fragilidade da vida quando, num cruzamento aleatório, precisei dar uma freada brusca. Estava sozinha, com o olhar salgado da praia, esperando a hora que, finalmente, eu conseguisse parar de esperar por algo. Sem avisar ninguém. A liberdade às vezes assusta também, mas a maturidade nos coloca em situações mais vulneráveis do que imaginamos. E é maravilhoso.

Quando entrei na semana do meu aniversário, resolvi selar pactos comigo mesma - com menos amarras e mais elasticidade. Tentei enxergar a mudança drástica que sofri sob a ótica de quem não entende até hoje, tudo para poder perdoar. Iniciar um novo ciclo mais distante de alguns e mais próxima de outros. Valorizando os meus sentimentos, ainda que nem todos os valorizem. Guardando, finalmente, alguns amores e demonstrando mais outros. Me embebedando de mim mesma e reconhecendo quem se mantém ao meu lado e fica até a festa acabar.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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