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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Só de vez em quando

12/9/2018 - São Roque - SP

De vez em quando, eu vou acabar bebendo demais, fumando demais, pensando demais. Vou viver madrugadas intermináveis de solidão profunda, de choro soluçado e de poesia indigesta no estômago. De vez em quando, vou acabar importunando alguns amigos com aquela velha história, exagerando no controle e descontrolando alguns cuidados. Vou perder a hora para o trabalho, faltar a um compromisso importante e deixar de dizer certas coisas por pura covardia.

De vez em quando, vou me desesperar pela falta de sentido dos sentimentos, vou pedir para colocarem as cartas, lerem minhas mãos e interpretarem meu mapa astral. Haverá o dia em que vou pedir arrego às obrigações e encherei a cara ao invés de inflar o peito. De vez em quando, vou acordar cedo no domingo e vou parar em frente ao espelho, sentada na cama, lembrando velhas histórias que rugas recentes já podem contar. Nesse mesmo dia, depois de ter acordado sozinha, lamentarei o vento entrando, tentando esquecer o cheiro que a janela aberta teima em trazer de volta, como se as árvores da rua usassem perfume de amor antigo.

De vez em quando, um dia cinza qualquer vai trazer lembranças coloridas, a voz vai ficar embargada, e os braços vão paralisar em saudade por alguns instantes. De vez em quando, vou escrever cartas para nunca serem enviadas, queimarei velhos poemas num ritual bonito de fim de tarde e lerei, pela enésima vez, a coletânea do Manoel de Barros só para me consolar sobre o significado vital das minhas pequenas invenções. De vez em quando, a necessidade de falar será só silêncio, e o olhar pensativo será só passagem.

De vez em quando, pensarei no futuro enquanto acaricio as memórias pelos versos, vivendo, no presente, a combustão poética que me teletransporta a tempo nenhum. Haverá o dia em que dormirei tanto que acordarei cansada e, para descansar do desgaste de tanto dormir, cochilarei ao longo do dia os sonos atrasados de uma vida ansiosa em que todos estão sempre por chegar. Ainda escreverei, de vez em quando, histórias falsas sobre amores verdadeiros e histórias verdadeiras sobre falsos amores. De vez em quando, enxugarei minha pressa em forma de compaixão, abanando as horas em prece para que voem sem passar.

De vez em quando, pensarei em declarar, de uma vez por todas, a beleza dos sentimentos que guardo em mim. Nesse mesmo dia, lembrarei das rosas pisadas na grama e, como rosas, saberei que serei pisada independente do perfume que exale. Ainda assim, de vez em quando, vou querer contar, em versos, sobre as quedas que sofri. Vou querer dizer que adoraria falar, em palavras, sobre as coisas boas que sinto. Afinal de contas, deve ser tão bom existir em alguém da forma como alguém existe em mim.

 

Texto dedicado ao saudoso poeta! 

 

THIANE ÁVILA.

 

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