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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A verdadeira pornografia

25/2/2019 - São Roque - SP

É o tempo dos descolamentos. Das abreviações e dos mimetismos. Tempo de intuir, de mistificar e de supervalorizar. Com capuzes cuidadosamente costurados, as cabeças cobertas passeiam pelas vidas casuais das esquinas e das noites. Perfilando as brechas de provável esquecimento, ressignificam para que não faça sentido depois. Estão exageradamente vestidos e encasacados. Enfileirados à espera da próxima oportunidade. Estranhos.

Nas multidões, sentem-se seguros e protegidos. Ofuscados pelas vozes que, à menor ameaça, abafa seus constrangimentos e os recoloca na rotação para, novamente, tentarem ser interessantes. Há sempre uma nova oportunidade. Um novo momento. Uma nova desculpa. As histórias retiram as fichas nos balcões para serem contadas. Sempre faltam números para as gentes todas que se reúnem. É ensurdecedor o ambiente, pois todos falam. Falam. Falam. Falam.

Num canto esquecido das salas, algumas crianças curiosas correm e tentam entender o que se passa pelas mesas. Perguntam a todos o que está acontecendo. Uns choram, outros riem, mas ninguém as responde. Inquietas, continuam explorando os lugares apertados, ainda que sem serem notadas. Há promoções de toda a origem. Placas de amores a baixo custo e dose dupla de roteiros românticos para os que preferem o enlace das vidas perfeitamente inventadas e que descem sempre redondas. Geralmente, é o que mais sai.

No endosso das buscas frenéticas à beira dos balcões, outras tantas existências sozinhas se debruçam sobre alguns papéis, ultrapassados e manchados, de tempos desejados. São os famosos cardápios da nostalgia. Depois de algumas doses duplas, são de saída certeira. Há para todos os gostos. Sem glúten e sem lactose. Com menos ou mais teor alcoólico - sempre proporcional aos detalhes e à idade. Os contos antigos tendem a ser mais amargos, mas, pela distância sobre o real, embebedam mais rapidamente. Um sucesso.

E as crianças, perturbadas, seguem incomodando as mesas unitárias das multidões. Todos falam ao mesmo tempo. Cada vez com menos paciência, elas questionam os adultos sobre suas lágrimas e desavenças. Veem brigas em cantos mais intensos, ao mesmo tempo em que percebem beijos jogados pelos olhos por alguns que, distantes, evitam o reconhecimento.

Ao final, a gerência se posiciona e avisa que aquele não é lugar de criança. Sugere ser um local de pornografia, coisa de adulto. Arrisco dizer, no entanto, que vem das gentes grandes o despreparo frente ao despido. A verdadeira pornografia é o estilo de vida dos avessos. Poucos aceitam a intimidade com a própria nudez. Menos ainda são os que aceitam perceber a exposição das expressões dadas à vista. Por isso, os lugares andam ensurdecedoramente silenciosos.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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