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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Acho que não entendi direito

5/5/2019 - São Roque - SP

Era um quarto de meias medidas. Meias janelas e céus ao meio. Um amontoado de metades escancaradas, fingindo compreensão sobre o óbvio dos inteiros. Ela cheirava à massala enquanto dormia, e os olhos semiabertos revelavam a insegurança sobre o próprio sono.

O caminho entre os pedaços sempre me faz pensar sobre tudo que não temos, mas fingimos. As redes tecidas de frio para sentir o corpo aquecer. O embaralhado dos sons que ensurdecem quando ninguém nos escuta. É, ao final, uma questão de estar sobrando na vida justamente o que nos falta - ou de estar faltando exatamente aquilo que temos de sobra. Uma teimosia de olhar para o lado errado pela simples falta de sensibilidade de entender que sempre falta muito pouco ou nada.

A sublime sensação de braços arrepiados quando encostamos em alguém me remete aos arrependimentos de domingos de ressaca, ou então a amostras infelizes da sobriedade alucinante dos pensamentos no auge dos desencantos. Eu me queixo e me rendo ao olhar para a luz, ao mesmo tempo em que agradeço os erros amargos de querer o que não podia ter sido.

Somos uma voz clamando a remissão dos tempos a cada segundo de solidão a sós ou compartilhada. Fazer doer as feridas para ver sangrar as vontades perdidas. Soa, ao pé do ouvido, a triste sensação de não pedir nada e receber menos ainda. Os desencontros das estações sentenciadas aos olhos inundados de palavras não ditas e amores de vagão.

Tenho uma séria cumplicidade com os finais, pois receio com todas as minhas forças a menor chance do não dito. Do não beijado e do sentimento subnutrido. Minha fantasia sempre foi inaugurar uma palavra nova que desse conta de falar do amor mais profundo que já senti. Um neologismo barato e simples que fosse capaz de traduzir a singeleza de sorrir para alguém com a alma e de ser capaz de olhar de longe os detalhes mais minuciosos de uma aparência que não revela.

Sou silenciosa em meus recantos porque sinto que ainda não entendi direito. Confundo-me com as passagens e, não raras as vezes, acho ter passado o que nem o apocalipse emocional dos ensandecidos de exagero é capaz de fazer passar. Milito pelos desarmados e coleciono cartas escritas para não serem entregues. Cavalgo em lamentos subordinados aos dias da semana, sorrindo para  quem entende que a maior prova de amor que posso dar a alguém é dividir o meu domingo.

No mais, acho que ainda não me entendi direito. A curtos passos largos, vou abrindo o caminho com as raspas de saudade estiradas pelos corredores, ao mesmo tempo em que me lambuzo com os exageros dos amores que teimam em deitar ao meu lado em noites como essa. De faltas e sobras, entende quem não falta consigo mesmo e quem não desdenha do que sobra nos outros.

 

THIANE ÁVILA.

 

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