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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Beijos de avião

13/5/2019 - São Roque - SP

Um tempo estranho passa entre uma chamada e outra. É como se piscar os olhos acelerasse os ponteiros e, num súbito, levasse para longe, mais uma vez, os olhos puxados de passagem. A chegada é feito um carinho manso com cheiro de partida. O perfume parece vir a nado, enquanto manda, por encomenda, o sorriso frouxo e barulhento dentro de um avião em plena segunda-feira.

Das nuvens, se vê o estardalhaço de uma menina que já andou por todos os continentes, mas que parece se aninhar melhor nesse peito conhecido. Tira sarro dos medos bobos que ouve dessa velha conhecida, mas chora ao ouvir qualquer verso de beira de calçada que escrevo ao apertar forte sua mão. Não é sempre que o vinho harmoniza com a vinda de quem logo se vai.

Do alto da janela do andar de embarque, desbravo, distraída, a estrutura imensa daquelas máquinas que a levam para longe. Vejo, por instantes, a pequenez desse corpo mirrado que deus me deu, que não se acostuma com esses momentos de rotina. Um cotidiano do avesso, que vem de tempos em tempos para mostrar que a mais doce das permanências é aquela que pode ir e voltar e ir e voltar de novo. Sem perder o sabor. Sem prometer nada. Essa liberdade de aeroporto me consome a ponto de versar, com alegria, sobre as turbinas das saudades. Leves. Feitas para assim serem.

Tenho amado genuinamente os beijos de avião. As mãos livres em descompasso, prontas para seguirem sozinhas e, de vez em quando, cruzadas com outras por aí. Essa versão bagunçada, que aceita os itinerários à medida que contribui em seus avanços, tem me atraído de maneira particular. A caminhada solitária, bamba, acompanhada, assistida e apaziguada.

É incrível silenciar para os detalhes sorrateiros. Perceber a inconstância que os lábios revelam quando tocam, lentamente, a nota da música cantada ao pé do ouvido. Como é bom cantar os silêncios sufocados do peito, declarando paz aos segredos que não interessam a ninguém. Se soubéssemos o quão desinteressante é a maioria das coisas que reservamos a sete chaves. No fundo, essas pequenas tralhas só ocupam espaço. E isso tudo fica muito claro toda a vez em que a vejo entrando no mesmo avião.

 

THIANE ÁVILA.

 

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