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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Só não repare a bagunça

8/7/2019 - São Roque - SP

Posso te convidar para entrar, tomar um café ou então uma cerveja. Posso abrir minha caixa de poemas para mostrar o que escrevi sobre outras pessoas, dizer como evoluí e retrocedi minhas vivências até você entrar. Tenho convicção de que não perceberá as gavetas sem velhas amostras de passado, daquelas que guardavam as digitais de amores doídos e ressecados. Nem dentro dos livros eu as deixo mais. 

Quero te contar, pela primeira vez, sobre as pessoas que entraram por essa porta antes de você. O cheiro que tinham e as roupas estranhas que vestiam. Mulheres com cabelos diferentes e referências bizarras para quem trabalha com falta de referência. Sei que não entenderia sequer o primeiro verso escrito sem nome ou endereço, já que se acostumou a endereçar todas as minhas escritas em linhas convictas de algo incerto. 

Entre e veja as novidades que entraram depois de você. Na adega, por acidente, ainda tem o vinho que você prefere. As taças manchadas de batom são iguais àquelas que ficaram à beira da estrada, com tom de despropósito e marcando lugar nenhum. Vou entender se não quiser essas antigas. Tenho novas, com marcas que você não conhece, na estante de cima. 

Posso convidá-la a conhecer meus discos antigos, novas velharias sem vitrola para tocar. Posso falar sobre minhas antigas partituras, aquelas que sequer sei ler. Também posso dizer sobre como foi ontem e relembrar aquele anseio de pensamentos que sobrevoavam minha cabeça. Você enlouqueceria com os detalhes.

Pode parecer estranho, a essas alturas, que você me escute falando do primeiro momento em que parei para fazer parte dos meus momentos. O ápice do frio na barriga ao apreciar a novidade dos encontros íntimos comigo mesma. É estranho perceber que desconhecemos todos os sentimentos antes de sentí-los, pois é quando entendemos que tantas coisas vividas eram apenas sombras da verdadeira amostragem do que salta aos olhos. Do que transborda o peito. Transbordei ao entender o reflexo que, toda a manhã, meu próprio espelho tentava me mostrar.

Preciso te contar que amanhã foi o dia que passou para que fizéssemos tudo o que deixamos de fazer. A semana que vem não veio, e o ano que sonhei sozinha ficou no futuro das construções abandonadas, daquelas iguais às promessas das obras públicas e dos investimentos beneficentes da maior parte do setor privado.

Sim, continuo estudando política. Não mostro porque sei que não é do teu interesse, mas há uma coleção de novos artigos em minha página. Uma infinidade de descobertas artísticas e outro amontoado de poemas escritos na noite. Eles têm sido mais rápidos e enfáticos. Desaprendi algumas entrelinhas, e sigo desaprendendo à medida que o tempo passa. Tem sido bom colocar à prova tanta besteira significante. Tenho tornado o simples ridiculamente apaixonante… E o pior: tenho amado essa versão escrachada de mim mesma.

 

 

THIANE ÁVILA.

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