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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A quaresma do riso

23/9/2019 - São Roque - SP

Durante muito tempo, ouviam-se ruídos dos segredos itinerantes da risada. Das abreviaturas das sutilezas dos dias, emancipadas em fuga para o dever logo à frente. Tempos de quaresma existencial pela busca de um depois jamais encontrado. O ser humano sempre acreditou na arqueologia dos pensamentos, sem dar importância aos atos de escavar o que há de brilhoso na devassidão de toda a pesquisa.

As justificativas encerram o trajeto pela obrigação cartesiana dos itinerários. Por nostalgia, entendem-se as saudades regurgitadas de submomentos, confabulando, do passado, as possibilidades de reinventar o que o presente já levou. 

Busco, na ideia de tempo, desamarrar os anacronismos utópicos de alcance. Nosso pavimento institucionalizado de sociedade retém a atmosfera que negligencia a arte e seus braços tortos, ao mesmo tempo que escondem, com nuvens acizentadas, o que há de mais precioso para entendermos nossa evolução: a história de nossa genialidade épica, ancestral e apocalíptica.

Há de haver um medo encapsulado e de efeito entorpecente pelas cabeças que se assentam nas assinaturas do sistema. Por óbvio, existe um ordenamento perverso que nos faz cultivar a quaresma dos riscos, dos sonhos e do ridículo. Tenho quedas por simplicidades, e a alforria do que é entendido como vulnerável me faz gargalhar de felicidade pelos esquemas desmontados que inauguram o infinito possível de todo o crescimento.

Esperar para existir só não é mais triste do que existir para esperar. A primeira pessoa que escreveu a lei da hora certa, sem sombra de dúvidas, não se permitiu viver a incerteza das ocasiões cósmicas do inesperado. Do surpreendente. Deleito-me por existências que sorriem para um vento mais ameno depois de uma tormenta, reconhecendo o carinho da natureza por ter permitido a passagem de mais um tempo ruim. Continuar com a magistratura das (re)invenções diárias é, no mínimo, sensacional.

Os dias que se contabilizam em espera são os mesmos que ditam os desenhos das saudades do que não aconteceu. O mar de iminências sem materialização me atormenta os sentidos, pois é como estar de frente para as ondas, mas sem poder ouví-las ou tocá-las. As pessoas têm hábitos de economia sensitiva. Ensinadas a guardar a ocasião certa, engavetam projetos, viagens, sonhos e expressões. Há montes de risos escandalosos travestidos de controle e autoridade. Há outro tanto de trajes descombinadamente confortáveis que se atolam no fundo dos armários pela frustração frente ao ridículo construído. Banquetes à luz de vela com misérias de olhares não chegam aos pés de sanduíches repartidos à luz de um banquete de trocas sensíveis.

 

THIANE ÁVILA.

 

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