ColunistasCOLUNISTAS

Flaviana Souza

Autor: Flaviana Souza

Por que usar museus?

12/4/2014 - São Roque - SP

 

Tenho uma particularidade para escrever, preciso florear sobre o conteúdo, mas antes de colocá-lo no papel, tenho a necessidade de definir o título, para que ele seja meu guia. Depois dos polos desse texto determinados, comecei a pensar no título. Por que visitar museus? Por que frequentar museus? Não. Por que usar museus?

O termo usar compreende de modo mais completo a imagem que eu quero que o leitor tenha. O uso designa alta frequência enquanto visita é esporádico. Eu uso uma peça de roupa até esgotá-la e muitas vezes, desfaço-me dela sem ter a convicção do desapego, apenas cumprindo um conceito habitual do bem vestir, do não repetir roupa. Mas e a roupa que eu usei apenas uma vez e depois me desfiz ou acomodei em um canto esquecido do armário? Você não usou essa peça, você experimentou e por algum motivo particular, não gostou da experiência.

Meu anseio é que as instituições museológicas sejam usadas até seu esgotamento, se é que isso é possível. Que delas sejam extraídos os mais diversos aprendizados e as mais diversas dúvidas. Sim, dúvidas porque a Nova Museologia defende que os museus não devem entregar respostas e conhecimento ao seu visitante e sim despertar a curiosidade pela busca dessas respostas e conhecimento. O casamento entre o museu e o visitante deve ter como pilar central a interação entre a expectativa e a doação de ambos.

Huges de Varine-Bohan, primeiro diretor do Conselho Internacional de Museus (ICOM) foi o responsável pela nova definição de museu expressada pelo ICOM, contribuindo então para a crítica do museu tradicional e nascimento da Nova Museologia. Varine-Bohan precisa que o museu tradicional era concebido como um edifício, uma coleção e um público, e estabelece uma nova regra baseada em três novos conceitos que substituem os anteriores: território, patrimônio coletivo e comunidade participativa. González (2012)

É partindo dos novos conceitos da museologia que, em suma, afunila para a interação com a comunidade, com o público, que unifico a minha sede pelo usar e direciono para um determinado segmento de público: o público escolar.

Quando o ex-ministro da educação, Aloísio Mercadante, questionou “O que museu tem a ver com educação?”, muitas foram as manifestações intelectuais em defesa aos museus. Optei por ir à contramão e defender a educação, o que de forma alguma significa concordar com o questionamento.

Se, em diversos casos, atribuímos a culpa por ações de alunos à educação - ou falta dela -aprendida em casa, admitimos que os espaços de aprendizado ultrapassam os limites do colégio. Estamos então abertos a compreender que, além da educação formal, existem a educação informal (e/ou incidental) absorvida no ambiente familiar, e a educação não-formal, cedida em espaços não formais como museus, teatro, cinema, etc. MEC (2009)

E como podemos usar os museus para favorecer a educação?

PASTRO (2010), afirma que apenas uma língua é universal e unifica: a imagem. Uma forma, uma cor, sons, cheiros, poemas, composições e construções são imagens indicativas de uma outra realidade além do imediato que se vê e sente. Diz ainda que existem pessoas com desequilíbrio de formação e de comunicação, pois, desde a infância, experimentaram mal as imagens ao seu redor ou seus educadores (neste ponto incluem-se os educadores dos três espaços) lhes passaram imagens quebradas ou falsas. Esse desequilíbrio deve-se ao fato de sermos acondicionados a andar, falar, ouvir e brincar e dificilmente a ver, olhar e escutar.

A educação formal, na grande maioria das vezes, não explora a linguagem universal, a imagem. E aqui caberia uma longa discussão sobre o modo tradicional como a educação formal é mantida. Mas e a evolução tecnológica, os iPads, as plataformas multimídias, o ensino tridimensional? Úteis, obviamente, mas ainda não tão completos quanto à imagem que podemos formar por meio do tato, do olfato, do paladar, da visão... E é nesse meio que se encontram os museus. Abertos, disponíveis, implorando para serem observados, tocados, cheirados, degustados...

Talvez a compreensão fique mais clara se desmembrarmos os termos IMAGEM e ENSINAR. PASTROS (2010)

IMAGO = IMAGEM: palavra latina que significa sombra, espectro, fantasma, visão, retrato, cópia, imitação, parábola, lembrança, sinal.

IN+AGER: no campo

AGGER, ERIS: terra, campo de terra

AGGERARE: amontoar terra.

IMAGEM: monte de terra ou terra arada, marcada.

Na sua origem etimológica, imagem dá idéia de monte de terra por sob o qual há algum conteúdo. E se a forma é adquirida por um conteúdo, forma e conteúdo se completam. A escrita surgiu com formas e figuras gestuais de animais e pessoas. O drama humano que compreende o espaço de tempo entre a vida e a morte é repleto de marcas (tanto no homem quanto no espaço por onde ele passa) e com essas marcas, o homem faz arte e cultura, cultiva e é cultivado. Então, a imagem é um sinal de presença formado pelo matrimônio com as marcas. A imagem é um anel de compromisso.

ENSINAR = IN+SIGNUS: levar para dentro de um sinal, desvendar um sinal, uma imagem. Quem ensina, revela, desvela o que está por trás de um sinal. E o sinal não se explica: a própria forma o revela.

Existem aprendizados que somente a imagem é capaz de ensinar.

O museu, que é a caixa onde acondicionamos o patrimônio (as imagens), tem a funcionalidade de simplesmente permitir que as imagens fiquem ao alcance do público e utilizando todos os sentidos para perceber a imagem, a fixação do aprendizado pode ser otimizada. Nos museus, não buscamos substituir o aprendizado do público sobre o tema, mas estimular a vontade de conhecer mais sobre o tema. É um trabalho em conjunto onde o espaço não-formal pode oferecer uma linguagem onde se mostram elementos similares e contraditórios, sempre estabelecendo uma relação entre eles, e criar um espaço de inter-relação entre o discurso da exposição e o olhar do público sob os objetos. GONZÁLEZ (2010)

O museu pode contribuir com a educação formal à medida que ensina que exposições não se baseiam em conhecimentos prévios, se baseiam em emoções, geram experiências, estimulam o conhecimento e a interatividade em três formas: por meio da interatividade inteligente, por meio da interatividade provocadora ou por meio da interatividade cultural.

Como muito bem diz o museólogo espanhol Luis Fernandez (GONZÁLEZ, 2012): “... um museu é uma instituição chamada para ser o centro da vida cultural do amanhã, a partir da conservação de um patrimônio voltado a ser vivo e não enfermo em mausoléus inacessíveis para a maioria...”

USEM os museus.

 

REFERÊNCIAS

GONZÁLEZ, Natalia Iglesias. Introducción a la museografía. Concepto, evolución y tipologias. Akanto. 2012

MEC. Museu e escola: educação formal e não-formal. Secretaria da Educação a Distância. 2009

PASTRO, Cláudio. A arte no cristianismo. Editora Paulus. 2010

 

 

Perdeu os outros artigos? Estão todos aí embaixo:

 

A arte como campo privilegiado de enfrentamento do trágico e o caso Jim Carrey (I needed color)

O homossexualismo na Arte e a obra de Steve Walker

A figura de Cristo e a face Aqueropita

O papel da escola no hábito do cidadão de frequentar e desfrutar a Arte

Museu Casa Guilherme de Almeida: Um relato da visita

Tecnologia dentro dos museus: aliada ou inimiga
A Arte que a escola não ensina e o analfabetismo cultural 

A globalização, as crianças e a mudança da referência de protagonistas

A cultura só pode ser compreendida a partir da história

Cultura como direito básico gerando desenvolvimento

Por que usar museus?

Patrimônio, Desenvolvimento, Globalização e Futuro: Case Polo Turístico do Circuito das Frutas

 

 

Compartilhe no Whatsapp