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Rogério de Souza

Autor: Rogério de Souza

Judicialização da política e São Roque

1/10/2016 - São Roque - SP

Os tribunais se transformaram nos principais pontos de reivindicações e manifestações da sociedade moderna em substituição aos Congressos, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Esse é um movimento sistêmico e estrutural que ocorre em boa parte do mundo. Teve origem na dinâmica da organização de poderes nos Estados Unidos, entretanto, ganhou robustez após a Segunda Grande Guerra e às mudanças de status do poder judiciário, que se tornou sinônimo de garantia de proteção dos direitos fundamentais, concretizados com a aprovação de documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por conseguinte, o poder judiciário tornou-se locus de elaboração e decisão sobre a vida e principalmente a política dos diferentes países. Essa pró-atividade dessa esfera de poder pode ser mensurada pelos temas discutidos nos tribunais mundiais nos últimos anos: aborto, união homoafetiva, pesquisas com células-tronco, eutanásia, uso medicinal da cannabis, etc. Portanto, assuntos que tradicionalmente eram discutidos e decididos no âmbito da política, transferiram-se para a seara do judiciário. Esse processo recebeu o nome de judicialização da política.

No Brasil o judiciário adquiriu real poder de decisão na sociedade após a Constituição de 1988, que possibilitou uma maior independência dos tribunais. Além de alguns dos temas citados acima, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu, nos últimos anos, a demarcação de terras indígenas, a execução penal nos crimes hediondos, a greve do funcionalismo público e, principalmente, julgou denúncias contra políticos brasileiros. O caso com maior repercussão foi a ação penal 470, mais conhecida como Mensalão do PT (Partido dos Trabalhadores).

Para estudiosos do tema, tal pró-atividade do judiciário brasileiro revela a fraqueza real de um poder legislativo fragmentado e com monumentais dificuldades em alcançar maiorias e tomar decisões. Chega-se a afirmar que o fenômeno da judicialização provoca um progressivo esvaziamento da democracia, da política e do próprio parlamento brasileiro.

Também poderíamos enxergar, a partir da compreensão weberiana (refere-se ao sociólogo alemão Max Weber/1864-1920) sobre as organizações burocráticas modernas, os tribunais como órgãos supostamente imparciais e possuidores de conhecimento técnico para tomar decisões, ou seja, a legitimidade de um arranjo institucional que assegura aos tribunais o poder de revisão de decisões produzidas no âmbito parlamentar.

Um dos principais temas debatidos nos tribunais brasileiros é o funcionamento do sistema eleitoral. As eleições tornaram-se, dessa forma, em ato jurídico, com a criminalização da política e sua consequente judicialização. Assim sendo, tornou-se corriqueiro os embates políticos e eleitorais serem levados para que o judiciário tenha capacidade de decisão, transformando este em uma espécie de “poder moderador” das pelejas eleitorais.

Nas eleições de 2012, algumas cidades assistiram o entra e sai de prefeitos e vereadores, inclusive em São Roque um vereador perdeu o mandato devido à condenação na justiça. Nas eleições de 2014 não foi diferente e deputado federal da região somente assumiu o mandato após decisão da justiça.

Ante a minirreforma política realizada no final de 2015, a eleição deste ano perpassará pela judicialização da política e muitos pleitos serão decididos nos tribunais brasileiros. Uma pequena amostra desse possível procedimento pode ser verificada no microuniverso da política saoroquense. Iniciada a disputa na Terra do Vinho, candidato a vice-prefeito abriu mão da indicação devido a processo em andamento na justiça. Na Câmara Municipal, a imprensa circulou que o Ministério Público investiga oito vereadores por supostamente terem recebido uma espécie de “mensalinho”. Uma comissão foi criada nessa casa para avaliar acusação contra determinado vereador e um outro colega de bancada está sendo acusado de falsidade ideológica. Além disso, a imprensa também divulgou acusações de superfaturamento contra a gestão municipal.

Portanto, nas eleições deste ano, muitas cidades, e possivelmente São Roque, não terão a definição de seus prefeitos e vereadores no dia 2 de outubro, mas decididas pelos tribunais, hoje os principais e determinantes eleitores da política brasileira. 

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