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Ítalo Lima

Autor: Ítalo Lima

Das vezes que meu ex não disse eu te amo

12/12/2017 - São Roque - SP

meu ex estendeu na avenida principal da cidade uma faixa de aproximadamente cinco metros, com uma frase me chamando de louca. foi inevitável eu não me sentir agredida com cada letra de forma. escorreu uma lágrima, depois centenas, milhares, pra falar a verdade, eu chorei a noite inteira debaixo da cama, fazendo o mínimo de barulho pra não acordar minha colega de quarto. no outro dia haviam cartazes espalhados pela rua com minha foto em preto e branco e a palavra POSSESSIVA em vermelho vivo. meu ex sempre foi bom em ajustar milimetricamente cada cartaz reto na parede. dessa vez eu não chorei, mas alguns transeuntes tiveram que me conter para eu não me jogar do viaduto, me fingi de forte e balbuciei aquela velha máxima: vai ficar tudo bem, não se preocupem. era mentira e ninguém podia me julgar por isso. ninguém. refiz a maquiagem, mudei meu guarda-roupa, pintei meu cabelo, eu já estava quase me convencendo que tudo já tinha passado, quando você me surge com um carro de som me chamando de vadia, ultrapassando o limite de decibéis permitido na vizinhança. eu me recolhi em inúmeros pedaços, foi inevitável, mais uma vez, desejei a morte. emagreci doze quilos, meus cabelos começaram a cair com mais frequência, desenvolvi síndrome do pânico e passei a roer as unhas mais do que deveria.
 
eu vi a morte acenando lentamente na minha frente, quando meu ex anunciou em todas as televisões que eu dou no primeiro encontro, incrível a habilidade dele de falar bem em público. eu engoli a seco e por alguns segundos ainda pensei em esmurrar a tevê, em vão. os dias passaram e a psiquiatra aumentou a dosagem diária dos antidepressivos. tudo parecia sereno e estranho. até que o carteiro surgiu na minha porta com inúmeras correspondências do meu ex, todas elas escritas com uma letra de garrancho: "eu nunca te amei". eu tremi de angústia, um amor de oito anos desvalidos assim, em poucas linhas. quis padecer à míngua. sufoco. o ar nunca me foi escasso por um período tão longo. quase desmaiei. até esqueci do carteiro ali na frente, compadecido com meu corpo magro. menti que tudo ia ficar bem. talvez algum dia fique. foi aí, depois de dias flácidas, o vento da coragem bateu, criei coragem e denunciei meu ex, mas não antes sem bambear as pernas, sem antes tremer os lábios depondo para a delegada, sem antes de me flagrar arrependida, sem antes estar convicta que fui profundamente agredida. eu já deveria ter desconfiado desde o princípio, pois das vezes que você me disse eu te amo, nenhuma delas foi olhando nos meus olhos.
 
Ítalo Lima
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