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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A gente se acostuma... ou se acomoda?

21/3/2018 - São Roque - SP

E então nos vemos acordando com a mesma dor, com os mesmos pensamentos e com as mesmas dificuldades. Facilitamos a vinda dos mesmos problemas, dos mesmos discursos e das mesmas pessoas. Dizemos sim às mesmas omissões, aos mesmos pretextos e às mesmas justificativas para continuar fazendo o que fazemos. Compactuamos com a ida a lugares mornos, com pessoas mornas, com bebidas mornas.

Continuamos abrindo mão de noites de sono, passamos horas no trânsito e engolimos, apressados, a mesma comida. Usamos relógio para não nos atrasarmos para chegar aos lugares que não queríamos estar, aguentando manchetes que não gostaríamos de ver e sofrendo por problemas que nos colocam sem que nos pertençam. Aceitamos certos julgamentos e, ainda que minimamente, internalizamos certas coisas que não se encaixam na gente, mas que grudam em nossas testas como rótulos. Vivemos, inconscientemente, em prateleiras adesivadas, com preconceitos estampados e, o que é pior, com uma necessidade que se acultura a cada novidade social que nos preescrevem.

Na semiótica, estudamos os sentidos e a significação temporal e cultural que damos aos signos que nos conformam. Somos atravessados por perspectivas e, à menor distração, deixamos de interseccionar sua validade por sua dialogia. Criamos a malícia da verdade com o diagnóstico da mentira, observando os recursos tensionados simplesmente para a máquina girar. Para as pessoas passarem e as incertezas condicionarem à ignorância de não aceitar a alteridade.

A gente se acomoda com o discurso e não exerce realmente a empatia. Falamos em amor ao próximo, mas subjugamos existências por mera mitologia projetiva. Nossas mãos estendidas boicotam outras, e nossas falas democráticas soam autoritárias à maioria das diferenças. O prisma é quase sempre engessado, e nos habituamos a falar em costume quando, na verdade, estamos acomodados. Lemos verdades sobre defeitos, mas acreditamos não se encaixarem em quem somos. Colocamos na periferia os condicionamentos, mas não nos damos conta de que são eles quem nos empurram. Vivemos, por assim dizer, em cenários falsamente recursivos, de onde a humildade planejada emite sua voz com a arrogância de quem oprime e silencia.

Somos eu e você. São nossos arredores e certezas. Quando nos acostumamos com as explicações, nos acomodamos. Quando procuramos roteiros ensaiados, nos acomodamos. Quando colocamos na vitrine o óbvio, nos acomodamos. Quando deixamos de questionar os costumes, nos acomodamos. E o pior: quando perdemos a capacidade de enxergar as próprias deficiências, nos acostumamos a nos acomodar.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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