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Augusto Branco

Autor: Augusto Branco

A História de N

3/11/2012 - São Roque - SP

 

 

   Há dez anos eu era uma adolescente, meus sonhos enchiam minha mente na busca de um futuro infinitamente melhor do que aquele vivido, passado e presente.

   Foi aos quatorze anos que minha vida iria mudar radicalmente. Filha de pais separados, morando sozinha com minha mãe numa casa simples e distante de tudo e de todos, eu levava meus dias sonhando. E sonhava com meu príncipe encantado, aquele que me tiraria daquele inferno. Ele, o príncipe, apareceu, mas pouco tempo depois percebi que de encantado ele não tinha quase nada, ou definitivamente nada mesmo.

 Meses depois engravidei, fui abandonada novamente.  Uma adolescente grávida, aos cuidados de minha mãe. Não entendia porque tudo aquilo acontecia comigo. As dores do parto talvez foram as piores dores físicas que já experimentei. Fui levada ao único hospital público de minha cidade. Lembro da sala pequena, dos gritos dos funcionários, das mãos ásperas do médico e de sua voz ríspida. Chorei copiosamente...

  Tentaram arrancar meu filho de meu ventre com toda a força que tinham, mas em vão o tempo foi cruel. Perdi meu filho nas mãos de desconhecidos, de insensíveis, de cruéis seres humanos que deveriam ser educados para cuidar de outros seres humanos.

 Fiquei à beira da morte, do meu corpo jorrava sangue constantemente. Fui transferida para uma cidade maior, lá cuidaram de mim, nem tive a oportunidade de ver o corpo de meu filho natimorto.

   Sou uma sobrevivente.

  Dias depois decidi sair daquela cidade, abandonei minha mãe e minha casa.

  Hoje, dez anos depois ainda não consigo voltar àquela cidade, àquele lugar. Falo constantemente com minha mãe, escuto suas dores e sonhos, e hoje a entendo perfeitamente.

  Casei, engravidei novamente e minha filha representa a força de seguir, de buscar dias melhores.

  Agora entendo o passado, minhas dores, meus sofrimentos.

 Só quem passa pelo que passei sabe do que estou falando. E foi preciso a dor, a perda, o sofrimento para transformar-me no ser humano que sou hoje. Só falta uma lacuna a ser preenchida: voltar àquela cidade, perdoar aquelas pessoas...

 

 

História verídica relatada pela jovem N. durante uma manhã de outubro de 2012.

 

                       Amilton Costa

 

Amilton Costa é autor dos livros DE BOCA ABERTA e 20 DIAS.

Conheça os livros aqui:

https://www.clubedeautores.com.br/authors/1985

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