ColunistasCOLUNISTAS

Sabrina Guedes de Oliveira

Autor: Sabrina Guedes de Oliveira

A Angola Que Carrego no Meu Coração

23/3/2020 - São Roque - SP

Mais uma manhã quente esquentava os nossos corações, a luz do sol, o brilho fulgurante dos matizes daquela luz coloriao céu azul. 

Parecia mais uma simples manhã, mas o sonho de outrora já não reinava nas nossas vidas. Temia por mais uma devastação em massa do meu povo que a cada dia perdia sua identidade, sua integridade e aquilo que de mais puro o representava, a raiz.  

Ficava espreitando, olhando o que estava por vir. Minha família já tinha atravessado o oceano e ficava receoso do que podia me acontecer. Até quando conseguiria me esconder, fugir e dar uma de esperto diante de tantas embarcações, de tantas pessoas estranhas que nos arrastavam como selvagens para dentro da imensidão do mar? 

Não era mais uma manhã, mas uma fatídica manhã de janeiro. O sol, a fome, a sede, a definhadez do meu robusto corpo negro se apresentavam como assombração para mim. Já não me conhecia, tudo que tinha me fora tirado. Sem paradeiro, sem família, só me restava juntar-me aos meus irmãos de pele, de rosto, de ideal e submeter-me aos mandos e desmandos da crueldade que o desconhecido impunha. 

Sem que eu quisesse, mas também sem oferecer resistência aos meus opositores, me jogaram como embrulho, como coisa, como algo despersonalizado naquele grande barco. Eu não estava sozinho, muitos iguais a mim estavam ali, poderia ser uma esperança de rever minha família. Será? Para onde iria? 

Nada diziam, mas açoitavam minha pele e meus ossos, doía de me tirar a lucidez e desfalecer minha alma. Não tinha voz e nem força pra lutar nesses meus 12 anos de vida e carregava no meu coração, no meu pensamento, a minha amada Angola, minhas lembranças, minha família que há muito tinha perdido, os que conviveram comigo...Tudo se tornava distante. 

Fechei os olhos e na minha pequenez, tentei pensar no que de bom a vida tinha me dado. Era o que me restava naquele momento, era o que aliviava a dor da alma, do corpo...da dilaceração do pouco que me restava.  

Além mar, íamos todos nós, sem saber para onde.O embalo das ondas nos carregava por uma infinidade sem rumo. Aquele mar todo me levaria aos meus pais? Era o que meu coração desejava. 

Adormeci e vivi no meu sonho um futuro divino, de luz que recordava a felicidade dos primeiros anos com minha família e a ardente vontade de uma felicidade. Será que conseguiria neste dito novo mundo?  

A esperança acalentava-me e embalava minha vida daquele momento em diante. 

 

Sabrina Guedes - Março 2020

Compartilhe no Whatsapp