ColunistasCOLUNISTAS

Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Negros machadianos

27/11/2022 - São Roque - SP

    Em Machado de Assis, todos os personagens ganham contornos e nuances incomuns. Com um estilo e sensibilidade inigualáveis, o grande gênio brasileiro conseguiu dar aos humanos, através de suas criações, um jeito e um tom que nenhum outro autor no mundo conseguiu. Talvez por ser brasileiro, conseguia perceber lados das pessoas que outros lugares nunca viram ou souberam que existe. Todos seus grandes, como Brás Cubas, Bento Santiago, Capitu, Escobar, Virgilia, Quincas Borba, Conselheiro Aires, Conceição, Nogueira, Tia Mônica, Simão Bacamarte, Agregado José Dias e tantos outros conseguem ganhar uma muldimensionalidade especial que leva a pensar sobre os humanos e sobre a humanidade como ela é. E com uma astúcia, ironia e sagacidade raras em outros autores.

      Um tipo de personagem do Bruxo do Cosme Velho que tem camadas muito interessantes nesse sentido são os negros que aparecem nas obras. Por serem personagens de Machado, possuem uma construção de personagem também muito voltada para camadas e para as nuances dos personagens. O mais destacado nesse sentido é o Negro Prudêncio, que fora escravo de Brás Cubas, em “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Tendo sido o cavalinho de Brás quando criança, levando também chicotadas enquanto o carregava nas costas, consegue sua alforria anos depois. E o protagonista, que subira em seu lombo quando criança, o encontra já alforriado, dando chicotadas em outro negro em praça pública.

        A habilidade de autor e de perceber nuances aqui vem diretamente do quanto Machado de Assis consegue captar o espírito do personagem e imprimir na situação, a tornando maior e mais completa. Colocado em um meio escravista, Prudêncio passa a ser alguém daquele ambiente e meio, também atiçando algumas crueldades internas do personagem. Nisso, toma-se contradições e uma personalidade que usa o ambiente da maneira que pode. E dentro do panorama do livro isto significa apenas mais um episódio para Brás Cubas, que segue com seu jeito e indiferença. Machado de Assis, ao colocar tais contradições, torna-se o maior autor por colocar o mais profundo e denso que a literatura pode trazer.

 

 
Compartilhe no Whatsapp